Agrotóxico utilizado contra fungos também pode matar abelhas

Agrotóxico utilizado contra fungos também pode matar abelhas

Sistema desenvolvido na USP analisou o comportamento de 200 abelhas contaminadas com o cerconil; em 10 dias, mais de 60% dos insetos haviam morrido

Abelhas também podem ser vítimas de fungicida. Foto: Pixabay

Um estudo realizado por pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, em parceria com cientistas da Universidade Federal de Viçosa (UFV), revelou que o cerconil, agrotóxico utilizado no Brasil para matar fungos, também pode ser letal para abelhas. O trabalho mostrou ainda que, mesmo aquelas que resistem inicialmente aos efeitos do produto químico, passam a se comportar como se estivessem mais velhas, indicando que não viverão por muito tempo.

Os resultados foram obtidos a partir do programa de computador desenvolvido por Jordão Natal durante seu mestrado na USP. O sistema analisou, durante 10 dias, o comportamento de 200 abelhas contaminadas com o fungicida, o qual é muito comum no combate a pragas de meloeiro e melancia. Elas foram colocadas junto a outras 800 abelhas saudáveis dentro de uma caixa cercada por vidros transparentes, onde câmeras registravam seus movimentos. Para diferenciar as abelhas saudáveis das contaminadas, uma marca com tinta foi feita nas costas das que ingeriram o agrotóxico. “Até o décimo dia, 65% das abelhas contaminadas haviam morrido. Já as que resistiram, tiveram seu comportamento alterado, aparentando estarem idosas, já que faziam atividades incompatíveis com a idade, como tarefas de limpeza e a procura por alimentos”, relata Natal, que teve sua pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Vale ressaltar que as abelhas vivem, em média, 44 dias, ou seja, elas estariam morrendo antes de completarem um quarto de suas vidas.

Abelhas contaminadas foram monitoradas durante 10 dias por software desenvolvido na EESC. Na imagem à direita, pequenos pontos mostram como as polinizadoras são enxergadas pelo computador. Foto: Jordão Natal/Divulgação (Clique para ampliar)

Algo que ajudou o sistema a interpretar essa grande quantidade de dados ao final do período analisado foi a localização das abelhas contaminadas dentro da caixa. A posição das polinizadoras tende a revelar em que fase da vida elas estão, pois, conforme elas envelhecem, se aproximam das extremidades. “O software foi capaz de monitorar as ações de cada uma das abelhas, o que é uma tarefa é muito difícil, por serem animais de tamanho semelhante, que estão quase sempre em movimento e se cruzando rapidamente”, explica Carlos Maciel, professor do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL) da EESC e orientador da pesquisa. Apesar do desafio, o programa, que levou cerca de 10 meses para ser desenvolvido e captura até 30 fotos por segundo, apresentou um índice de 99% de precisão.

Contaminadas com doses não letais de cerconil no apiário da UFV, as abelhas utilizadas no estudo são da espécie Apis mellífera, a mais comum do mundo. “O que mais nos chocou foi descobrir que um fungicida até então inofensivo para abelhas se mostrou mais tóxico que o imidaclopride, inseticida considerado o grande vilão dos cultivos agrícolas. Os dados são preocupantes”, afirma Eugênio de Oliveira, professor de entomologia da UFV. Apesar de ainda não haver um entendimento sobre o motivo de o fungicida ter levado as abelhas à morte, o docente suspeita que o produto pode estar anulando os efeitos de enzimas responsáveis pela desintoxicação desses insetos.

Figura ilustra trajetória percorrida pelas abelhas dentro da caixa. Foto: Jordão Natal/Divulgação

No trabalho, os pesquisadores também analisaram o comportamento de abelhas que ingeriram o imidaclopride. Derivado da nicotina, o produto normalmente é aplicado em pomares, plantações de arroz, algodão e batata e, embora seja proibido em diversos países, seu uso ainda é permitido no Brasil. O software da USP mostrou que aproximadamente 52% das abelhas contaminadas com o agroquímico estavam mortas no décimo dia.

“A extinção das abelhas é uma preocupação global, pois se trata de um problema que não afeta apenas o meio ambiente, mas também a economia. Elas participam de boa parte da polinização de nossos alimentos, alguns deles, inclusive, polinizados exclusivamente por elas”, alerta Maciel, que também é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Sistemas Autônomos Cooperativos (InSAC), sediado no SEL. Segundo o estudo realizado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), em parceria com a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (Rebipp), o valor do trabalho prestado pelos animais polinizadores à agricultura brasileira gira em torno de R$ 43 bilhões por ano. O levantamento considerou 67 cultivos, sendo que a soja, primeira colocada, responde por 60% do valor estimado, seguida pelo café (12%), laranja (5%) e maçã (4%).

Carlos Maciel (à esquerda) e Jordão Natal desenvolveram um sistema inédito para monitorar o comportamento de animais que atuam de forma coletiva. Foto: Henrique Fontes/SEL

Com a nova tecnologia criada na EESC, a qual já está pronta para ser utilizada no mercado, a missão de compreender o comportamento de animais que atuam de forma coletiva se tornou mais simples, pois toda interação entre esses organismos e o meio ambiente poderá ser “ensinada” para o computador em forma de algoritmos. “O que o sistema fez em semanas, nós levaríamos alguns anos para mensurar”, comemora Eugênio. Combinando técnicas de inteligência artificial e big data, o software desenvolvido conseguiu analisar dezenas de horas de vídeo, totalizando 700Gb de material. A partir de agora, os pesquisadores pretendem estudar o comportamento de abelhas contaminadas com outros tipos de agrotóxicos, a fim de ampliar o entendimento a respeito dos efeitos desses produtos químicos.

Texto: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação do SEL/USP

 

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Dispositivo revela em poucos minutos se paciente tem hepatite C

Dispositivo revela em poucos minutos se paciente tem hepatite C

Desenvolvido por pesquisador da USP, aparelho eletrônico reduz custos de exames e analisa sangue com mais precisão

Novo dispositivo eletrônico utiliza sensor eletroquímico para verificar presença de vírus da hepatite C no sangue

O diagnóstico precoce da hepatite C, infecção viral que afeta o fígado, é fundamental para evitar sua progressão e impedir que o indivíduo contagiado transmita a doença para outras pessoas. No entanto, os exames convencionais para identificar a enfermidade não são totalmente precisos e podem comprometer o resultado da análise médica. Além disso, alguns exames apresentam elevado custo e levam dias até apontar o diagnóstico. Pensando em propor uma solução a esse cenário, o pesquisador João Paulo de Campos da Costa, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, criou um dispositivo eletrônico mais rápido, exato e barato, que revela em poucos minutos se a pessoa está com a doença.

O indivíduo infectado com o vírus da hepatite C, o VHC, possui em seu sangue – local onde estão as células de defesa do organismo – o anticorpo que combate a doença, chamado de anti-VHC. Para que o equipamento da USP detecte se a pessoa contém esse anticorpo o procedimento é o seguinte: a partir do sangue extraído são realizados procedimentos em laboratório até que uma gota do composto final seja pingada sobre um pequeno sensor eletroquímico que contém uma proteína do VHC. “Caso a pessoa possua os anticorpos contra o vírus, eles irão ‘se ligar’ com a proteína viral, gerando uma reação que diminui a corrente elétrica que passa pelo aparelho. É justamente essa redução na corrente que nos indica a infecção da pessoa”, explica Costa.

Segundo o pesquisador, o equipamento possui mil vezes mais sensibilidade para detectar o anti-VHC se comparado aos modelos de exames convencionais que, algumas vezes, não são capazes de identificar pequenas quantidades de anticorpos. O dispositivo, que custou cerca de R$ 430,00, exibe o diagnóstico em, no máximo, dez minutos. “Alguns exames levam até uma semana para ficarem prontos na rede pública e aqueles que utilizam sistemas eletroquímicos para diagnóstico são muito caros, podendo chegar a mais de R$ 20 mil”, afirma Costa que desenvolveu a tecnologia durante seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da EESC.

Os resultados obtidos pelo aparelho são transmitidos por rede sem fio diretamente para um aplicativo de celular que poderá ser utilizado por profissionais da saúde. Intuitivo e com simples funcionamento, o app ainda é capaz de armazenar o exame do paciente em um cartão de memória e enviá-lo, via e-mail ou redes sociais, como WhatsApp e Facebook, ao médico responsável que irá interpretar os resultados e definir o melhor tratamento da pessoa infectada.

Atualmente, o diagnóstico da hepatite C pode ser feito por meio de exames sorológicos, testes moleculares, além da biópsia hepática – exame realizado para determinar o grau do processo inflamatório, o estágio de fibrose e se há presença de cirrose no tecido hepático. De acordo com o especialista, esses exames demandam tempo, equipamentos especiais, laboratórios com infraestrutura adequada, profissionais especializados e qualificados e, no caso da biópsia, trata-se de um exame invasivo e que pode trazer riscos e complicações à saúde.

Exames convencionais para diagnóstico de hepatite C não são tão precisos e podem comprometer análise médica. Foto: Cesar Lopes – PMPA

Para auxiliar o médico no tratamento mais específico de cada paciente, o sistema desenvolvido pelo pesquisador também pode ser programado para quantificar os anticorpos encontrados no soro sanguíneo, e até mesmo atuar no diagnóstico de outras doenças crônicas virais, como o HIV e outros tipos de hepatite. “É uma plataforma muito completa, permite diversas aplicações e agiliza o processo de diagnóstico da Hepatite C”, diz Paulo Inácio, biomédico e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFAR) da UNESP, em Araraquara (SP), entidade parceira no estudo.

Composto por um microcontrolador, amplificadores de sinal, bateria e sistema de recepção e envio de dados sem fio, o dispositivo pode ser facilmente replicado pela indústria. “Criar um aparelho de baixo custo e que pudesse ser produzido em larga escala era um dos meus objetivos desde o início do trabalho”, revela Costa que já atuou em um estudo na área de nanotecnologia aplicada à saúde em 2016. Naquela ocasião, a pesquisa tinha como objetivo desenvolver um biossensor para detecção precoce de hepatite C e câncer de ovário.

Outra vantagem do aparelho eletrônico da USP é sua portabilidade. Isso porque é possível levar o exame até pessoas com dificuldades de locomoção ou acamadas, que não conseguem se deslocar ao hospital mais próximo, ou mesmo a populações residentes em áreas de difícil acesso. A tecnologia utilizada no dispositivo é brasileira e, segundo o especialista, não há empresas nacionais que produzam esse tipo de solução.

Doença silenciosa – A hepatite C é um dos tipos mais comuns de hepatite e sua transmissão se dá principalmente por transfusões de sangue contaminado com o vírus, contato sexual, por via perinatal (da mãe para o filho), sobretudo durante a gravidez e o parto, assim como pelo compartilhamento de seringas, agulhas ou de instrumentos como aqueles de uso comum em manicura, pedicura, tatuagem e colocação de piercings. Diferentemente do vírus da hepatite B, não existe vacina contra o VHC.

Na maior parte dos casos, a Hepatite C não apresenta sintomas, mesmo quando o fígado já está debilitado. Em alguns cenários, no entanto, pode ocorrer a forma aguda da enfermidade, que antecede sua forma crônica e pode provocar mal-estar, vômitos, náuseas, dores musculares, perda de peso, cansaço, entre outros sintomas. Mas, em geral, os portadores só percebem que estão doentes anos após o contato com o vírus, quando a inflamação no fígado decorrente da infecção crônica já se encontra em grau avançado. As principais complicações podem ser cirrose, câncer no fígado e insuficiência hepática. “Quanto mais precocemente a doença for diagnosticada, mais eficaz será o tratamento”, explica Inácio que também é especialista em imunologia e colaborou com a pesquisa.

João Paulo desenvolveu a tecnologia durante seu mestrado em engenharia elétrica na EESC

De acordo com um estudo divulgado em 2016 pela Faculdade de Medicina da USP, há no Brasil de 1,4 a 1,7 milhão de casos crônicos de hepatite C. No mundo, esse número salta para 200 milhões, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que faz da doença uma das principais causas de transplante hepático do planeta.

O tratamento da enfermidade possui um elevado custo para o sistema público de saúde: “A estimativa é de que o gasto semanal com medicamentos para o tratamento de um único paciente acometido pela hepatite C seja de R$ 1 mil a R$ 1.500. Isso sem considerar outras despesas médicas e manutenção de equipamentos e laboratórios”, afirma o docente da UNESP. O alto custo do tratamento é outro motivo que incentiva o diagnóstico da doença em suas fases iniciais.

Testando a plataforma – Todos os experimentos de incubação e ligação dos antígenos e anticorpos para detectar a infecção pelo vírus da hepatite C foram realizados no Laboratório de Imunologia Clínica e Biologia Molecular da FCFAR. Sempre que o exame para anti-VHC apontava positivo, o procedimento era repetido outras duas vezes como forma de garantir a reprodução fiel dos resultados.

Os professores Elson Longo e Wagner Bastos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a docente Maria Aparecida Bertochi do Instituto de Química (IQ) da UNESP em Araraquara, também colaboraram com o trabalho. Durante seu mestrado, Costa teve a orientação do professor João Paulo do Carmo, do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL) da EESC.

Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), no âmbito do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), a pesquisa surge em um momento crucial pelo fato de o Brasil ter lançado, no início do mês, um plano para erradicar a hepatite C até 2030.

De acordo com o Ministério da Saúde, a meta é tratar, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), todos os pacientes diagnosticados e apresentar novas iniciativas para testar o máximo de pessoas de forma simplificada. Nesse sentido, o dispositivo criado na USP pode ser mais uma ferramenta útil para o diagnóstico precoce da doença e, consequentemente, seu tratamento mais eficaz.

 

Texto e fotos: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação do SEL

 

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Pós-graduação em Engenharia Elétrica mantém nível de excelência em avaliação da CAPES

Pós-graduação em Engenharia Elétrica mantém nível de excelência em avaliação da CAPES

 

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) divulgou na última semana a avaliação quadrienal dos programas de pós-graduação strictu sensu (mestrados e doutorados) do Brasil. Dos 4.175 programas avaliados, pouco mais de 4% deles receberam a nota máxima 7, equivalente aos padrões internacionais de excelência. Neste seleto grupo está o Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica (PPG-EE) da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), que manteve a nota obtida na última avaliação trienal da CAPES, realizada em 2013.

A avaliação deste ano contou com algumas novidades em relação às anteriores. A principal delas foi o período de avaliação escolhido que, pela primeira vez, abrangeu quatro anos (2013 a 2016). Também inédita foi a consideração de informações sobre mestres e doutores formados entre 1996 e 2014 a fim de avaliar o impacto social da pós-graduação. Outra novidade se deu pela análise de dados sobre os egressos dos cursos de mestrado e doutorado para investigar a inserção social obtida pelos programas.

As análises da avaliação quadrienal ocorreram entre os meses de julho e setembro e foram realizadas por comissões especializadas e pelo Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTC-ES). Os critérios de avaliação foram os seguintes: proposta do programa, corpo docente, corpo discente, produção intelectual e inserção social.

Iniciada em 1976, a avaliação da pós-graduação stricto sensu é instrumento fundamental do Sistema Nacional de Pós-graduação (SNPG) e as utilidades dos resultados são diversas. Podemos citar, por exemplo, a possibilidade dos estudantes escolherem seus futuros cursos baseados nas notas atribuídas aos programas ou então das agências de fomento nacionais e internacionais orientarem suas políticas de investimentos de acordo com a avaliação. Os estudos e indicadores produzidos pela análise também atuam para induzir políticas governamentais de apoio e crescimento da pós-graduação, além de estabelecer uma agenda para diminuir desigualdades entre regiões do Brasil ou no âmbito das áreas do conhecimento.

Qualidade reconhecida – O Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da EESC-USP foi criado em 1975 com o Mestrado, estendendo-se ao Doutorado em 1997. Ao longo de sua trajetória, o Programa formou aproximadamente 700 mestres e mais de 250 doutores, com centenas de trabalhos publicados em veículos de alto impacto científico.

Embora oferecido para engenheiros eletricistas, eletrônicos e de computação, o PPG-EE acomoda alunos com diferentes formações, incluindo matemáticos, físicos, bacharéis em computação e de outras áreas da engenharia. Todo o conjunto de atividades do Programa é planejado para promover a formação dos estudantes sob o ponto de vista teórico-científico e tecnológico, preparando-os tanto para a carreira acadêmica e pesquisa quanto para atuar nos setores industriais e de serviços.

 

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Secretaria de Pós-graduação em Engenharia Elétrica da EESC

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